terça-feira, outubro 30, 2007

Para ler, respirar fundo, sentir e reflectir

Estou livre. Saí da prisão, a minha mulher desapareceu em circunstâncias misteriosas, não tenho um horário fixo para trabalhar, não tenho problemas de relacionamento, sou rico e famoso, e se, de facto Esther me abandonou, encontrarei rapidamente alguém para a substituir. Sou livre e independente.

Mas o que é a liberdade?

Passei grande parte da minha vida a ser escravo de alguma coisa, portanto devia compreender o significado desta palavra. Desde criança lutei contra os meus pais, que queriam que fosse eu engenheiro em vez de escritor. Lutei contra os meus amigos no colégio, que logo no início me escolheram para ser a vítima das suas brincadeiras perversas, e só depois de muito sangue correr do meu nariz e dos deles, só depois de muitas tardes em que tive de esconder da minha mãe as cicatrizes – porque tinha de ser eu a resolver os meus problemas, e não ela – consegui mostrar que podia levar uma sova sem chorar. Lutei para arranjar um emprego que me sustentasse, fui trabalhar como distribuidor numa loja de ferragens, para ficar livre da famosa chantagem familiar: “Nós damos-te dinheiro, mas tu tens de fazer isto e aquilo.”

Lutei – embora sem qualquer resultado – pela rapariga que amava na adolescência, que também me amava; ela acabou por me deixar porque os pais dela a convenceram de que eu não tinha futuro.

Lutei contra o ambiente hostil do jornalismo, o meu emprego seguinte, onde o patrão me deixou três horas à espera, e só me deu alguma atenção quando comecei a rasgar em pedaços o livro que ele estava a ler: ele olhou para mim surpreendido e viu que ali estava uma pessoa capaz de perseverar e enfrentar o inimigo, qualidades essências para um bom repórter. Lutei pelo ideal socialista, acabei na prisão, saí e continuei a lutar, sentindo-me o herói da classe operária – até que ouvi os Beatles e decidi que era muito mais divertido gostar de rock que de Marx. Lutei pelo amor da minha primeira mulher, da segunda e da terceira, porque o amor não tinha resistido e eu precisava de seguir em frente, até encontrar a pessoa que tinha sido posta neste mundo para me encontrar – e não era nenhuma das três.

Lutei para ter coragem de deixar o emprego no jornal e lançar-me na aventura de um livro, mesmo sabendo que no meu país não existia ninguém que pudesse viver da literatura. Desisti ao fim de um ano, depois de mais de mil páginas escritas, que pareciam absolutamente geniais porque nem mesmo as conseguia compreender.

Enquanto lutava, via as pessoas falar em nome da liberdade, e enquanto mais defendiam este direito único mais escravas se mostravam dos desejos dos seus pais, de um casamento onde prometiam ficar com o outro “para o resto da vida”, da balança, das dietas, dos projectos interrompidos a meio, dos amores aos quais não se podia dizer “não” ou “basta”, dos fins-de-semana em que eram obrigadas a comer com quem não desejavam. Escravos do luxo, da aparência do luxo, da aparência da aparência do luxo. Escravos de uma vida que não tinham escolhido, mas que tinham decidido viver – porque alguém acabou por convencê-los de que aquilo era melhor para eles. E assim seguiam os seus dias e noites iguais, em que a aventura era uma palavra num livro ou uma imagem na televisão sempre ligada, e, quando qualquer porta se abria, diziam sempre: “ Não me interessa, não tenho vontade”.

Como podiam saber se tinham ou não vontade, se nunca experimentaram? Mas era inútil perguntar: na verdade, tinham medo que de qualquer mudança que viesse sacudir o mundo a que estavam habituados.

O inspector diz estou livre. Livre estou agora, e livre estava dentro da cadeia, porque a liberdade ainda continua a ser a coisa que mais prezo neste mundo. Claro que isso me levou a beber vinhos de que não gostei, a fazer coisas que não devia ter feito e que não voltarei a fazer, a ter muitas cicatrizes no meu corpo e na minha alma, a ferir algumas pessoas – às quais acabei por pedir perdão, na altura em que compreendi que podia fazer tudo, excepto forçar outra pessoa a seguir-me na minha loucura, na minha sede de viver. Não me arrependo dos momentos em que sofri, carrego as minhas cicatrizes como se fossem medalhas, sei que a liberdade tem um preço alto, tão alto quanto a escravidão; a única diferença é que se paga com prazer e com um sorriso, mesmo quando é um sorriso manchado de lágrimas.

Coelho, P. (2005) O Zahír. Lisboa: Pergaminho

sábado, outubro 27, 2007

Após ler um mail...

Há uma frase muito badalada que diz
“Viver não é apenas existir” …

Pois, aqui está uma grande verdade, no entanto, quem realmente consegue perceber a sua verdadeira essência, a sua reflexão!?

Eu!?...
Eu apenas sinto que vou na trajectória certa para a perceber, pelo menos acredito que vou.

Todos nós deveríamos ter algo assim, algo que nos fizesse pensar, sentir, reflectir, porque isso é um sinal de que vivemos e não apenas existimos, a partir do momento que somos pró activos na nossa vida passamos a viver.
Passamos por momentos intensamente difíceis mas que dão imenso prazer e gozo como podemos obter uma realização pessoal que não nos sabe a nada...isso é viver!
Para isso temos de estar presentes, de saber se é difícil ou não…isso é sentir!
Existem diversas coisas que podemos fazer, mas para isso é preciso acreditar que conseguimos e que mesmo assim podemos falhar…isso é acreditar!
Mas eu não o faço, porque já o tenho…
Já tenho uma multiplicidade de factores que me envolvem e que me fazem ter a noção de que ainda há um caminho por percorrer, caminho esse que seguirei até encontrar a luz ao fundo do túnel…
Ter essa noção já é um príncipio de algo que se possa assemelhar com viver, sentir e acreditar.
Para comecar a viver...

No entanto tu, minha amiga!
Tu vives, Tu traças a tua rota e persegues os teus fantasmas, Tu acreditas em ti, Tu segues o teu caminho, Tu descobres o infinito pelo qual sempre batalhas-te…

Eu percebo-te…e vivo.

EU SOU TEU AMIGO…e vives.


Viver é sentiremos bem connosco mesmo, fundamentalmente é isso…

terça-feira, outubro 16, 2007

Começou...


E pronto…
Começou…começou a rotina dos meus dias…
Começaram os treinos durante toda a semana e os jogos ao fim-de-semana…
Começaram os treinos dos meus miúdos e jogos ao fim-de-semana…
Começaram as aulas! LOL! Passado cerca de um mês do seu início, da grande semana de praxe (para breve um post acerca dessa semana), posso dizer que as minhas aulas começaram e já ando a ver a vida a andar para trás!

E pronto…
Lá vou indo eu, sempre de um lado para o outro, sempre cheio de trabalhos e pseudo mini-testes, jogos e mais jogos, treinos e mais treinos!

Mas também se a vida não fosse tão agitada não teria piada nenhuma : D…

Para a briosa do meu coração, espero um campeonato tão bom ou melhor que o ano passado…Briosa on Tour II “O regresso dos que nunca foram”.

Para todos os amigos de armas na faculdade…bem, já dizia o Octávio Machado:
“Muito trabalho, muito trabalho”

Em ambos os casos, muito boa sorte para todos.
[[]]
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sábado, outubro 06, 2007

É por aqui...


"Pensei de novo nas montanhas e nos alpinistas que encontrámos quando passeávamos. Eram jovens, tinham roupas coloridas para chamar a atenção caso se perdessem na neve e conheciam o trilho certo até aos cumes.
As encostas já estavam cravejadas com espigões de alumínio: tudo o que precisavam fazer era passar, através dos ganchos, as cordas e subir com segurança.
Estavam ali para uma aventura de feriado e na segunda-feira retornariam aos seus trabalhos, com a sensação de terem desafiado a natureza – e vencido.
Mas não era nada disso. Aventureiros foram os primeiros, os que decidiram descobrir os caminhos. Alguns não chegaram nem a metade e caíram em fendas nas rochas. Outros perderam dedos, gangrenados pelo frio. Muitos nunca mais foram vistos. Mas um dia alguém chegou ao cimo daqueles picos.
E os seus olhos foram os que primeiro viram aquela paisagem e o seu coração bateu de alegria. Ele tinha aceite correr os ricos e agora honrava – com a sua conquista – todos os que tinham morrido enquanto tentavam.
É possível que as pessoas lá em baixo pensassem: «Não há nada lá em cima, apenas uma paisagem; qual é graça disso?»
Mas o primeiro alpinista sabia qual era a graça: aceitar os desafios e ir adiante. Saber que nenhum dia era igual ao outro e que cada manhã tinha o seu milagre especial, o seu momento mágico, onde velhos universos se destruíam e novas estrelas se criavam.
O primeiro homem que subiu àquelas montanhas deve ter feito a mesmo pergunta, ao olhar para aquelas casinhas lá em baixo com as suas chaminés a fumegar: «O dia deles parece sempre igual; que graça tem isso?»"
Coelho, P. (1994) Na Margem do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei. Lisboa: Pergaminho.

Ele existe...mas nos livros!

"Eu também o agarrei pelos cabelos, o abracei com toda a força, mordi os seus lábios, senti a sua língua dentro da minha boca. Era um beijo pelo qual tinha esperado muito – que tinha nascido junto aos rios da nossa infância, quando ainda não compreendíamos o significado do amor. Um beijo que ficou suspenso no ar quando crescemos, que viajou pelo mundo através da lembrança de uma medalha, que ficou escondido atrás de um monte de livros de estudo para um emprego público. Um beijo que se perdeu tantas vezes e que agora tinha sido encontrado. Naquele minuto de beijo estavam anos de buscas, de desilusões, de sonhos impossíveis.
Eu beijei-o com força. As poucas pessoas que estavam naquele bar devem ter pensado ver apenas um beijo. Não sabiam que naquele minuto de beijo estava o resumo da minha vida, da vida dele, da vida de qualquer pessoa que espera, sonha e busca o seu caminho debaixo do sol.
Naquele minuto de beijo, estavam todos os momentos de alegria que vivi. "

Coelho, P. (1994) Na Margem do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei. Lisboa: Pergaminho.